Av. Jk, Quadra 110 Norte, nº.03, 2º piso, Salas 05 e 06, Palmas/TO Segunda - Sexta: 8:00 às 18:00 (63) 3215-7571 facebook.com/manzanoadvocacia

Artigos

05 de Janeiro de 2015

PRINCÍPIO DA CO-CULPABILIDADE E SUA APLICAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

PRINCÍPIO DA CO-CULPABILIDADE E SUA APLICAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

         A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 prevê expressamente, em seu artigo 6º os direitos sociais, dentre os quais podem-se destacar: educação, moradia, assistência aos desamparados e segurança.

         De acordo com o eminente constitucionalista José Afonso (2006:286) os direitos sociais são:

(...) dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualação de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade. Valem como pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias ao auferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condições mais compatíveis com o exercício efetivo da liberdade.

         Nesse diapasão, fica evidente que esses direitos erigidos pela Carta Magna mostram-se como prestações positivas a serem implementadas pelo Estado buscando, por conseguinte, a concretização da isonomia substancial ou social.

         Mesmo diante da garantia dos direitos sociais explícitos na Lei Maior, é notória a ineficiência do Estado em relação à sua efetivação, tendo assim uma sociedade em que poucos vivem nababescamente ao passo que muitos vivem na linha tênue entre a pobreza e a miserabilidade.

         No caput do artigo 5º da Constituição Federal, apesar de estatuir que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza...”, trazendo esculpido o princípio da igualdade ou isonomia, isso só é possível no plano formal. É o que se deduz com a lição de Gregore Moura (2006:58):

Imprescindível reconhecer que a igualdade jurídica foi uma grande conquista, resultante da consagração das idéias iluministas do século XVIII. No entanto, essa igualdade jurídica de nada adianta, pois o ser humano aspira muito mais que uma simples igualdade formal. Ele necessita e luta por uma igualdade social e econômica, por meio da qual possa concretizar a plenitude de sua dignidade (...)

         É de ressaltar que a Magna Carta reconhece a necessidade de proporcionar aos membros da sociedade a igualdade material. É o que depreende da leitura do disposto no inciso III do artigo 3º: “Erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”.

           Fica nítido, por conseguinte, que o Estado deve proporcionar à sociedade não só a igualdade jurídica ou formal, ou seja, igualdade perante a lei, mas sim a isonomia substancial ou social.

         Todavia, é de conhecimento público que o Estado tem sido inadimplente com o dever de igualdade material, pois conforme já referido acima, muitos vivem na linha tênue entre a pobreza e miserabilidade.

       Diante dessa não atuação estatal, surgiram discussões acerca da possibilidade de uma responsabilização pelo Estado inadimplente com seu dever social. Situação que foi debatida, com maior ênfase, em outros países e que se evidenciou no âmbito do Direito Penal, porquanto tal ramo do Direito procurou conferir ao Estado uma co-responsabilidade pelas infrações penais cometidas por agentes excluídos socialmente.

        Assim sendo, surge no Direito comparado a positivação do princípio da co-culpabilidade, que visa atribuir ao Estado uma parcela de responsabilidade pelos delitos praticados por aquelas pessoas que não foram contempladas pela igualdade substancial, isto é, que estão à margem da sociedade de forma a proporcionar um equilíbrio das relações sociais ao proteger e igualar os hipossuficientes.

         O princípio da co-culpabilidade também pode ser compreendido, a partir do magistério de Gregore Moura (ob.cit.:36), como sendo:

(...) um princípio constitucional implícito que reconhece a co-responsabilidade do Estado no cometimento de determinados delitos, praticados por cidadãos que possuem menor âmbito de autodeterminação diante das circunstâncias do caso concreto, principalmente no que se refere às condições sociais e econômicas do agente (...) 

         Essa co-responsabilização por parte do Estado se refere tão somente à sua inoperância em cumprimento dos deveres constitucionais, não se tratando de uma responsabilização penal propriamente dita.

         Na legislação alienígena, conforme mencionado, a aplicação do princípio da co-culpabilidade é uma realidade. Dentre os países que adotam tal princípio, destacam-se: Argentina, México, Peru, Bolívia e Portugal.

         Embora não haja previsão no ordenamento jurídico brasileiro, alguns juízes têm aplicado o referido princípio com fundamento no artigo 66 do Código Penal, que trata das atenuantes inominadas: “A pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista em lei”.

         A positivação do princípio da co-culpabilidade no Código Penal brasileiro pode ser feita, em tese, por uma das quatro opções citadas por Gregore Moura (ob.cit.:94), quais sejam:

 A) A primeira opção da positivação da co-culpabilidade é a sua inserção no artigo 59 do Código Penal como uma circunstância judicial que incidirá na primeira fase de aplicação da pena;

 B) A segunda hipótese seria sua positivação no art. 65 do Código Penal, que trata das atenuantes genéricas, o que poderia ser feito com a previsão de mais de alínea no inciso III.

 C) A terceira consistiria em acrescentar um parágrafo único ao artigo 29 do Código Penal dizendo que “se o agente estiver submetido a precárias condições culturais, econômicas, sociais, num estado de hipossuficiência e miserabilidade sua pena será diminuída de um terço (1/3) a dois terços (2/3), desde que estas condições tenham influenciado e sejam compatíveis com o crime cometido

D) A co-culpabilidade seria positivada como uma causa de exclusão da culpabilidade.

         Em face das hipóteses levantadas pelo insigne autor, tem, de acordo com Rogério Greco (2008:426), prevalecido pela segunda opção, ou seja, inserção do princípio em análise na alínea “f” no artigo 65 do Código Penal, que trata das atenuantes genéricas, veja-se: “A divisão de responsabilidade entre o agente e a sociedade permitirá a aplicação de uma atenuante genérica, diminuindo, pois, a reprimenda relativa à infração penal por ele cometida”.

         A justificativa pela segunda opção ocorre, porque o intérprete não teria margem de liberdade tão ampla quanto na análise do artigo 59 do mesmo diploma legal, além de não haver a possibilidade de diminuição aquém do mínimo legal, caso fosse optado pela terceira hipótese supracitada e nem a exclusão do crime, no caso de preferência de afastamento da culpabilidade.

         Por derradeiro, é importante salientar que como forma de não destoar o escopo do princípio da co-culpabilidade, para sua aplicação no ordenamento jurídico brasileiro, o julgador deve proceder à compatibilidade entre o estado de miserabilidade e o crime cometido para que haja sua aplicação no caso concreto, isto é, a devida análise das socioeconômicas do agente como sendo fator preponderante na influência na prática do delito, isto pelo fato de não transformar o criminoso em vítima e o Estado em criminoso.

Leandro Manzano Sorroche

 Pós-graduado em Direito Público, Eleitoral e Tributário.

© 2015 Manzano advocacia - Todos os direitos reservados By Palmasite